segunda-feira, 28 de março de 2016

TRÂNSITO LOUCO ( OU MELHOR, MANÍACO)

artigo publicado na seção Hoje é dia de...
Caderno Alternativo, jornal o Estado do Maranhão,


 VERAS, O TRANSIMANÍACO

Veras nunca soube – e talvez jamais saiba – que se transformou num transimaníaco. Que diabo é  isso? Vá lá, a síndrome que se apossou de Veras ainda não foi reconhecida pela ciência médica, mas Veras (isso a gente tem certeza) é uma vítima notória das obsessões do trânsito. Transimaníaco, pois,  é um neologismo que tenta nomear o aparente desvario humano diante dessas obsessões.
            Tudo começou quando Veras, que é motorista de táxi,  tornou-se especialista num jogo que ele mesmo deve ter inventado: adivinhar a causa do próximo e indefectível engarrafamento: “Esse tem cara de que foi uma moto. ” Ou “claro que  é gente da prefeitura, querendo mostrar que estão trabalhando” ou “ uma carroça”,   “atropelamento de pedestre”, “dono da rua esquecido no celular, dentro do carro”, etc. etc. Sua ‘brilhante’ ideia deve ter começado como uma forma de passar o tempo diante dos engarrafamentos , para se distrair sozinho , até que...




                                                         





            Soube disso quando coisa de  dois meses atrás combinei com ele uma corrida até o aeroporto. Avisei-o: “Vá pela  Africanos, para chegarmos mais depressa.” “Nada disso, vamos pela Jerônimo de Albuquerque, sei o que eu tô fazendo.” Estranhei mas não disse nada, afinal, o ‘especialista’ era ele. Como era de se esperar deparamos com um puta de um engarrafamento. Estranhamente, seu estado de euforia prevalecia sobre minha chateação. De repente, ordenou: “Vamos apostar” “Como, apostar o quê?” “Aposto que é guarda  fazendo blitz” “Não posso acreditar , a uma hora dessas, nessa avenida ” Ele fez que não ouviu: “Se for guarda fazendo blitz você me paga a corrida em dobro, se a causa for qualquer outra coisa você não me pagará  nada.”  Devo confessar que até eu fiquei ansioso para ver que bicho ia dar.

            Era uma blitz mesmo. Ele vibrou como se estivesse comemorando um gol do Sampaio, nosso time. A coisa só desandou quando fui pagar a corrida e ele me contestou: “Tá faltando mais grana, a corrida foi em dobro” “Como é que é?”, retruquei  abismado. Ele, com a maior cara-de-pau: “Você vai pagar em dobro, fizemos uma aposta e você perdeu” “Que diabo de aposta, Veras, pensei que fosse brincadeira.” “Brincadeira? Passa já a grana, compadre, apostas, apostas, amigos à parte” Enquanto discutíamos,  o risco de perder o vôo aumentava. Paguei  uma corrida e meia alegando falta de dinheiro, o que não era mentira, e ele saiu bufando, cantando pneus  e me xingando.

               Cerca de um mês depois, com meu carro na oficina e sem ter a quem recorrer,  liguei para Veras. Quem atendeu foi a esposa. Agoniada, ela me informou que Veras aparecera com o carro batido, graças a um acidente provocado por ele mesmo. Candidamente Veras lhe explicara ao chegar  em casa, sem o carro,   que provocara um engarrafamento na avenida, frustrado porque passara duas horas sem que tivesse havido um só acidente e ele  precisava se divertir. Dá pra acreditar? Diante do seu nervosismo disse-lhe que tinha um amigo psicanalista, Túlio, e que, provavelmente  ele iria nos indicar um rumo a seguir.  

            Antes mesmo que  procurasse Túlio o encontrei, por coincidência, no Shopping Tropical. Chamei-o para um chope rápido ele aceitou e começamos a bater papo. Contei-lhe sobre Veras e ele nem se espantou com isso: “Acredite, o trânsito é mesmo coisa de louco, tem gente muito  pior” “Quer dizer então que nem adianta o Veras  te procurar, que isso nem chega a ser doença e que  não existe remédio?” “Que doença, amigo, o sujeito hoje em dia para ser considerado louco só se for louco de pedra , e quer saber de uma coisa? Eu mesmo, quando estou no trânsito a coisa que mais me dá prazer é tentar adivinhar o que está travando o fluxo, adiante. E não sou só eu. Ou você nunca reparou que depois de horas num engarrafamento todos param diante do acidente e ficam contemplando o que aconteceu, como se não tivessem o que fazer? É uma forma legal de se distrair. Talvez, a única”.





                                                        






            Olhei para Túlio tentando descobrir se detectava algum sinal  de psicopatia em sua face. Desisti. Tudo parecia normal em suas atitudes quando nos despedimos. “Tá de carro?”, ele  perguntou” “Não, tá na oficina” “Vai pra onde?” “Tô indo pra Cohab” “Ora, te dou uma carona, vamos pela Jeronimo de Albuquerque. O celular informa que  faz duas horas que o trânsito por lá flui normalmente ” “Opa, ainda bem!”, disse, agora animado para pegar a carona.  “ Não, não se trata disso, é que...Se faz duas horas sem acidente, pelo que se conhece dessa avenida, nos próximos quinze minutos tem tudo para pintar  um engarrafamento daqueles. Já pensou que barato? Poderemos apostar sobre a causa e nem vamos sentir o  tempo passar. “
            Dei meia volta, fiz de conta que lembrara algo urgente, Inventei uma desculpa e fui embora: iria de táxi, de ônibus, de carroça ou até andando, se fosse o caso. Já pensou se eu começasse também a gostar da coisa?



                                                       






            Resolvi tomar mais um chope enquanto me acalmava. Pelo menos por algum tempo, enquanto durou o efeito do álcool, parei de ver em todo mundo que por ali circulava,  um transimaníaco.

                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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