artigo publicado hoje, no jornal
o Estado do Maranhão
Jose Ewerton Neto, autor de O oficio de matar suicidas
Para isso
existem competições, torneios e copas: para escolher o melhor, entre os
melhores. Só existe um campeão indiscutível quando ninguém seria capaz de fazer
melhor que este.
Dia 23, comemora-se
o Dia Internacional do Livro (data de falecimento de dois grandes escritores Miguel
de Cervantes e William Shakespeare). Também
se celebra, este ano, o quarto
centenário do falecimento do autor de Don Quixote. Lembro de que dez anos atrás
cem consagrados escritores de diferentes países dedicaram-se a uma complicada
tarefa: escolher o melhor livro de todos os tempos. Difícil, não? Isso não se
resolve, como no futebol, com uma Liga dos Campeões. Aqui não há gol, não há
atacantes e nem juízes. Ana Karenina de ponta-esquerda? Madame Bovary de centroavante,
Capitu de goleira? Certamente, os “gols” de seus autores não seriam marcados
por eles, mas pelos seus personagens e os melhores seriam aqueles que muito
tempo depois da morte de seus criadores continuam
vivos na memória das sucessivas gerações de leitores que os perpetuam.
Nem precisa
dizer qual foi o escolhido.
Ele, o nosso velho conhecido, aquele que povoou os
melhores dias de nossa infância de riso e curiosidade, o amigo íntimo e
“abilolado” de todas as crianças, o cavaleiro da triste figura, o nobre fidalgo
Don Quixote de la Mancha. Sempre acompanhado do seu fiel escudeiro Sancho
Pança.
Quem nunca
leu o livro não sabe o que perdeu, mas isso não significa que jamais os tenha
visto. Um: Don Quixote, alto, magro, culto, idealista e sonhador, ansioso para
mostrar sua valentia, se for preciso, duelando até com moinhos de vento. Outro:
Sancho Pança, generoso e rotundo, ignorante, realista e pragmático, fiel ao seu
patrão a ponto de segui-lo em sua delirante epopeia no mundo da fantasia. Estão,
ambos, na nossa vizinhança, na escola, no trabalho (é só querer reconhece-los),
porém, principalmente, dentro de cada um de nós. Porque o que somos mais que um Don Quixote e
um Sancho Pança a se contraporem em nossa consciência dividida: uma parte que tenta
emoldurar o sentido da nossa vida transformando-a em momentos de ilusão, e uma outra,
que nos chama para a realidade nua e
crua?
Provavelmente,
deva estar na leveza da escrita desse autor, sem rebuscamento e pretensão, a grandeza desse romance que o torna singular
e único. As comparações são inevitáveis e tantos vão dizer – sem que se possa
contestar-lhes a escolha – que preferem ao Don Quixote de Cervantes, o Ulisses
de James Joyce, ou Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. Ou autores como Thomas
Mann, Dostoievski ou o próprio Shakespeare. São livros elogiados igualmente
pelos críticos, etapas fundamentais na formação da cultura universal, mas neles
falta a dose de humor e a simplicidade
presentes em Don Quixote e é isso o que o distingue. O romance de Miguel de
Cervantes extrai da espontaneidade e da naturalidade, com o pressuposto de
contar uma história essencial, sem sofisticações ou jogo de palavras o que pode
haver de melhor na criação literária. Com isso consegue ser lido por todos mantendo
mesmo nas adaptações para crianças a exuberância de sua construção lúdica, a
emoção e o prazer de sedução. Daí ter sido escolhido com 50% a mais de votos
que qualquer outro dos 99 livros.
Miguel de
Cervantes, o grande campeão, merece todas as homenagens póstumas que lhe serão
prestadas nesse dia. Ninguém até hoje
foi capaz de fazer melhor
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