sexta-feira, 29 de abril de 2016

SUA MEMÓRIA CONTRA VOCÊ





Um belo dia, você lembra de que sua memória existe. Por uma notável coincidência justamente porque começou a esquecer de muitas outras coisas. Num  dia você esquece  da chave  do seu carro, no outro da senha do seu celular,  no outro do nome de seu filho... e até, por incrível que pareça,  do seu próprio neto . Não é que você o deixou no banco de trás do carro quando saiu para comprar-lhe um game, foi tomar uma cervejinha e isso quase causou uma tragédia? Ora, como você já não é nenhum garotão desconfia que  essa sua memória tem sérios problemas e é chegada a hora do ajuste de contas. Você começa:

            “O que está acontecendo com você, Memória? De uns tempos pra cá, sinto que você está me sacaneando, me traindo.”   
             “Você não devia falar assim comigo. Sou uma anciã de respeito e cumpro com minhas obrigações na medida do possível. Na verdade não sou eu que estou falhando, mas você.”
            “Por que não me  lembrou que ontem era o último dia de pagar a conta do IPTU sem multa? Por que não me avisou que o Armando  (para quem estou devendo uma baita grana ) é flamenguista ao invés de vascaíno, deixando que lhe mandasse  aquela piada de vascaíno vitorioso no domingo? Por que me permitiu falar o nome de Valdete, minha amante, no grupo de nossa família no what’s up? Que está acontecendo, vamos,  me diga!”
            “Não posso compensar suas trapalhadas o tempo todo. Você teria que se ajudar também, nunca se preocupou comigo, nunca correu pra se exercitar, nem gostou de ler. Sequer uma palavrinha cruzada de vez em quando.”
            “Podia confiar em você no passado, hoje, claramente, não. Outro dia fui sair com a Valdete  e ela jogou na minha cara que eu estava virando broxa. Fiquei espantado, onde já se viu? Ponderei que broxar uma  única vez nunca significou impotência  e ela me jogou na cara que não tinha  sido uma só vez , porém mais de vinte. Mais de vinte? Que diabo era isso? Eu não me  lembrava desses detalhes, mas o pior é que não tive convicção, entende? Deu-me um branco, deixei-a sair com ar de vitoriosa e simplesmente por quê? Por que você não faz seu ofício direito. Assim não dá.”



                                             




            “Memória seletiva, seu ingrato! Você teria preferido que eu lhe  lembrasse seus fracassos? Obsessivo, você teria gasto sua grana, com psicanalistas, quem sabe teria tentado o suicídio. Quanta grana lhe salvei fazendo-o  esquecer tantas coisas! Seu apelido de infância era  Boca de Chuveiro , lembra? Claro que não, já que eu lhe fiz esquecer. Quer que eu lhe reviva o tempo em que você que você riu do seu tio padre, quando este estava no caixão e você se retirou para dar gargalhadas no banheiro só porque o viu pela primeira vez sem barba? Acontece que hoje, cada dia a mais em sua vida se junta a um monte de registros acumulados que eu tenho que guardar. E quem trabalha dobrado para lidar com esse lixo sou eu. É lixo demais para uma vida só!”

            “Minha vida, um lixo? Isso não vai ficar assim. Vou procurar um  médico e ele me dirá o que fazer. Ou troco de memória ou faço outra. Com você eu não fico mais.” 

            - Quantos anos você tem mesmo?
            - 55.
            - Mentira, você tem 59. E daqui a pouco tempo estará com Alzheimer. Não é você que não me quer, eu é que não quero mais seu corpo comigo. 

                                               





Bye, Ciao, Até Logo, ou Au revoir, a porta da rua é a serventia da casa!

                                                                                  ewerton.neto@hotmail.com

                                                           http://www.joseewertonneto.blogspot.com

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